"A
perspectiva geral não é boa. Quando olhamos o indicador mais importante para a
solvência do governo no médio e longo prazo, a dívida pública sobre o PIB
[Produto Interno Bruto], vemos que ela não para de crescer", alerta
Cristiane Schmidt, professora da Fundação da Getulio Vargas (FGV-RJ) e do
Instituto Millenium e consultora sênior para o Banco Mundial.
Depois de
dois anos em queda, a trajetória da dívida pública do país se inverteu em 2023
e subiu quase três pontos percentuais em um ano, passando de 71,7% do PIB em
dezembro 2022 para 74,3% do PIB 12 meses depois.
Dívida vai
continuar crescendo, segundo projeções do mercado
Conforme o
BC, o resultado primário de janeiro do setor público consolidado – que inclui
os governos das três esferas e estatais – ficou negativo em R$ 246 bilhões, no
acumulado de 12 meses.
O rombo é
apenas ligeiramente menor que o acumulado até o mês anterior – R$ 249,1
bilhões, o pior resultado desde 2020, quando os gastos aumentaram com o combate
à pandemia de Covid-19.
Mas o
resultado primário não reflete os gastos financeiros com a dívida. E eles nunca
foram tão altos. Em um ano, os juros consumiram R$ 746 bilhões, segundo o dado
de janeiro – o maior valor da história para um acumulado de 12 meses,
equivalente a quatro anos de Bolsa Família.
Como
acontece quase sem trégua desde 2014, todos os juros foram pagos com emissão de
novas dívidas, uma vez que o governo não está poupando dinheiro.
Na soma do
déficit primário com os juros, o chamado resultado nominal do setor público foi
de um rombo acumulado de quase R$ 1 trilhão em 12 meses. O resultado só foi
pior que isso em alguns meses entre 2020 e 2021.
A
perspectiva da corretora XP, a se manter o ritmo atual, é de que a dívida
pública atinja 77% do PIB ao fim de 2024, 79% em 2025 e 81,4% em 2026. A
expectativa mediana de pouco mais de 30 bancos, corretoras e consultorias
consultados pelo Banco Central é ligeiramente pior: nesse cálculo, a dívida ao
fim dos mesmos três anos seria de 77,8%, 80% e 82,5% do PIB, respectivamente.
"A
dívida é uma variável importante que a gente tem que monitorar, porque
representa um risco que tem impactos tanto em atividade econômica, afetando o
crescimento, quanto em inflação", afirma o economista Tiago Sbardelotto,
da XP.
Pagamento de
juros impulsiona a dívida pública
A relação
dívida pública/PIB é afetada basicamente pela combinação de taxa de juros,
resultado primário e crescimento econômico.
Durante a
pandemia, o que pressionou a dívida – que bateu em 87,7% do PIB em outubro de
2020 – foi alto déficit primário, impulsionado pelos gastos com saúde. As
despesas com juros, graças à Selic mais baixa na época, foram menores.
Hoje os
gastos com juros são bem maiores. Apesar da trajetória de queda na taxa básica
(a Selic), ela ainda está em 11,25% ao ano, uma das maiores do mundo. O piso
estimado pelo mercado para a Selic é de 9% até o fim do ano.
A política
monetária do BC tem sido rígida em boa parte das últimas décadas a fim de
controlar a inflação, fruto do desajuste estrutural das contas do governo.
"A
gente vê que, de fato, os juros foram um componente importante do crescimento
da dívida em 2023, mas eles devem se reduzir nos próximos anos, à medida que o
BC reduzir a Selic. Devem caminhar para ter uma participação bem menor do que
tiveram no passado", prevê Sbardelotto.
O desempenho
da economia, outro fator que pesa no cálculo da dívida/PIB, é insuficiente. O
país cresceu 2,9% em 2023, acima do previsto pelo mercado mas abaixo do necessário
para compensar o elevado déficit primário.
"O que
a gente viu no ano passado e o que a gente está vendo para os próximos anos é
uma forte contribuição do resultado primário negativo para o aumento da
dívida", explica Sbardelotto.
Por isso,
segundo ele, o equilíbrio entre despesas e receitas para melhorar os resultados
primários é o único caminho para a gestão da dívida.
"O
gasto público é a única variável que o governo tem controle. Só com ajuste de
despesas e receitas haveria alguma capacidade de reduzir o rombo", diz.
"Mas isso não parece fazer parte da estratégia que o governo escolheu, de
fazer o ajuste só por meio do aumento da receita e não do corte de
despesas."
O governo
anunciou no ano passado uma política de revisão de gastos e tem um grupo no
Ministério do Planejamento para tratar do assunto. A ministra Simone Tebet
sinalizou que há coisas a serem anunciadas dentro de uma "cultura de
planejamento".
Mas essa
agenda está lenta – nada de impacto foi anunciado até agora – e há muito
ceticismo. "Eu quero ver isso acontecer de fato, porque a gente já teve
outras tentativas", diz Cristiane Schmidt.
Em janeiro,
graças aos projetos de arrecadação negociados pelo ministro Fernando Haddad, da
Fazenda, junto ao Congresso Nacional, a soma de impostos, contribuições e
outras receitas federais chegou a R$ 280,6 bilhões, um aumento real (acima da
inflação) de 6,7% ante o mesmo período de 2023.
Parte do
resultado, o melhor resultado da série histórica, se deveu à tributação de
aplicações dos chamados "super-ricos" e a reoneração dos
combustíveis.
Nem isso
impediu, no entanto, o aumento da dívida pública no mês. Para os analistas,
embora a alta da receita dê ao governo alguma margem de manobra na gestão do
Orçamento de 2024, será difícil zerar o déficit neste ano, como prevê o
arcabouço fiscal.
"O
resultado fiscal deu um respiro ao governo, que não vai precisar fazer já em
março o contingenciamento necessário para manter a meta", afirma Schmidt.
"Mas está longe de ser uma licença para gastar. Mais de 60% dos valores se
devem a tributos não recorrentes, que vêm uma vez e vão embora. É o caso dos
fundos offshore e exclusivos."
Neste mês
será divulgado o primeiro relatório de receitas e despesas do ano, atendendo
exigência da Lei de Responsabilidade Fiscal. Até pouco tempo atrás, havia a
percepção de que o governo seria obrigado a mudar a meta fiscal caso não
quisesse fazer um grande bloqueio de recursos já em março; com os resultados
fiscais mais recentes, a necessidade de mudança parece ter sido postergada.
Para a
economista do Millenium, mesmo que Haddad consiga viabilizar junto ao Congresso
toda a pauta econômica do governo, seria difícil manter a arrecadação elevada
ao longo do ano para somar os R$ 68 bilhões extras necessários para zerar o
rombo.
"Precisaria
bater recorde de arrecadação todos os meses", afirma. "Eu tenho muito
medo do Lula e dos seus ministros falarem 'bom, temos dinheiro suficiente,
podemos gastar e vamos gastar'. Já estamos vendo concursos sendo abertos",
observa.
Mercado
espera novos déficits nos próximos anos
Embora o
governo deva insistir até onde for possível na meta prevista pelo arcabouço fiscal,
a estimativa da XP é de um déficit primário de 0,8% do PIB este ano, 1,2% no
ano que vem e 1% em 2026.
Sbardelotto
destaca que os próximos anos de déficits continuarão a empurrar a dívida
pública para níveis mais altos. Para poder controlar a dívida, o governo
precisaria gerar um superávit de 1,8% do PIB, calcula o economista.
"A
gente vê o governo brigando para fazer resultado zero, e sabe que já é algo bem
difícil. Quem dirá, então, pra chegar nesses 1,8% de superávit, que é o
necessário para estabilizar a dívida", diz.
Na avaliação
de Reginaldo Nogueira, diretor sênior do Ibmec, o mercado monitora a trajetória
da dívida, mas não se preocupa com uma explosão ou um calote no curto prazo
porque vê no arcabouço fiscal, embora mais frágil que o teto de gastos, um
sinalizador de alguma contenção.
"O fiscal acaba tendo mais reflexo nos juros de
longo prazo", avalia. "Mas alguma sinalização de ajuste para conter a
dívida pública vai ter que ser dado pelo governo até o fim do ano", prevê.
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