BNDES põe ministros e petistas em conselhos de empresas privadas
A lista de indicações do BNDES aos conselhos de administração das companhias de seu portifólio confirma a estratégia do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de ter maior influência e poder de decisão nas empresas privadas.
Entre os contemplados com um assento nos colegiados, dentro da nova política de indicação do banco, os ministros Sílvio Almeida (Direito Humanos e Cidadania), Nísia Trindade (Saúde) e José Múcio Monteiro Filho (Defesa), além do ex-chanceler e assessor-chefe da assessoria especial do presidente, Celso Amorim, que é filiado ao PT. Outros políticos integram a lista.
Os conselhos de administração são alvo constante de aparelhamento e indicações políticas, em especial nas gestões petistas. A indicação funciona normalmente como bônus para complementação de salários de ministros e aliados.
Com o BNDES sob o
comando de Aloizio Mercadante, as diretrizes de indicações se alinham à
estratégia do governo de ter maior poder de decisão nas empresas, ampliando o
papel do banco e do Estado na economia.
Um dos exemplos mais emblemáticos dessa estratégia é a tentativa do presidente Lula em indicar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega ao conselho de administração da Vale, após a rejeição do aliado à presidência da empresa.
Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo não quiseram opinar sobre indicações especificas do BNDES. Mas são unânimes em afirmar que ingerências políticas são blindadas em empresas com governança sólida e políticas de compliance.
"O que deve
qualificar os conselheiros é a experiência e capacidade comprovadas por uma
carreira adequada", diz Camila Pepe, do Stocche e Forbes Advogados.
"Quando a empresa tem um compliance robusto, há um rigoroso crivo de
checagem dos escolhidos."
Ministros e aliados
compõem colegiados via BNDESPar
A nova política de indicação de conselheiros, anunciada no ano passado, atinge as 27 companhias em que o BNDES tem participação acionária por meio das subsidiárias BNDESPar e Agência Especial de Financiamento Industrial (Finame). As cotas dão direito à indicação de 34 integrantes para vagas em conselhos das empresas privadas e de economia mista.
A leva de indicações dos
ministros e políticos mencionados começou em novembro. Quatro deles foram
nomeados para o conselho da CEG, distribuidora de gás controlada pela Naturgy
Distribución Latinoamérica S.A, do multinacional espanhol Naturgy Energy Group,
de gás e eletricidade. A BNDESPar detém 34,56% das ações da empresa.
Além dos ministros Celso
Amorim e José Múcio, passaram a integrar o colegiado da companhia o ministro
Sílvio Almeida e o ex-secretário executivo do ministério da Justiça e Segurança
Pública, Ricardo Cappelli. Todos os mandatos vão até abril de 2025.
Os currículos divulgados
no site do BNDES não indicam formação específica dos indicados na área de
atuação da empresa. Amorim tem destacada sua carreira diplomática. O ministro
de Relações Exteriores mais longevo da história do Brasil passou pelos governos
de Itamar Franco (1993-1994), Lula da Silva (2003-2010) e Dilma Rousseff
(2011-2014).
José Múcio é apresentado
com ênfase na carreira política na administração partidária e legislativa em
Pernambuco, seu estado natal. Também já foi presidente do Tribunal de Contas da
União (TCU), e ministro-chefe da Secretaria de Relações Internacionais no
segundo governo Lula. Na atual gestão, tem ajudado o presidente no trato com os
militares.
Na minibiografia de
Cappelli há duas linhas dedicadas à administração pública. O ex-secretário
deixou o Ministério da Justiça após ser preterido por Lula, que nomeou o
ex-ministro do STF Ricardo Lewandowski para o comando da pasta após a saída de
Flavio Dino (PSB-MA). Filiado ao PSB, Cappelli assumirá a presidência da
Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) por indicação do
vice-presidente Geraldo Alckmin, colega de partido.
Na descrição de
competências de Sílvio Almeida fica explicitada a formação em Humanas e o foco
recente em filosofia, economia política, direitos humanos e relações raciais.
Nada que remeta às especificidades da área de gás e eletricidade da CEG.
Também chama atenção o nome do ex-coordenador da assessoria técnica da liderança do PT, Giles Azevedo, nomeado com um assento na Quality Soft, empresa do segmento de tecnologia da informação, com foco em terceirização de projetos.
Giles é geólogo de formação, com mestrado em Geoquímica, e já foi assessor especial do Gabinete Pessoal do Presidente, chefe de Gabinete da Presidência e secretário-executivo adjunto da Casa Civil. A BNDESPar tem 25% das ações da empresa e o mandato de Giles foi de apenas um mês, terminando em 4 de janeiro.
Nísia Trindade, ministra
da Saúde, também teve um mandato curto, de menos de três meses, no colegiado da
BRQ, uma das maiores empresas de transformação digital do país. Nísia tem um
currículo acadêmico consistente como pesquisadora, mas nenhuma experiencia que
remeta à gestão executiva e empresarial.
Mercado já temia por
mudanças na governança do BNDES
As nomeações políticas
para empresas investidas do BNDES eram esperadas por analistas de mercado desde
que Ricardo Lewandowski, então ministro do Supremo Tribunal Federal (STF),
suspendeu a quarentena para a indicação de políticos que está prevista na Lei
das Estatais. O plenário da Corte ainda não analisou o caso.
Muitos consideraram a
nova politica, que flexibilizou as nomeações, como um retrocesso, já que o
BNDES havia aderido às regras de governança corporativa desde o governo de
Michel Temer (MDB). O governo de Jair Bolsonaro (PL) seguiu a mesma linha e
escolheu nomes do mercado para os conselhos das empresas.
Segundo texto
institucional do BNDES, a política de indicação visa "estimular a adoção
das melhores práticas de gestão, governança e sustentabilidade pelas companhias
investidas e, assim, promover a geração de valor para tais empresas e para a
carteira de participações acionárias da BNDESPar".
Em agosto, quando vieram
à tona as indicações dos ministros Carlos Lupi (Previdência) e de Anielle
Franco (Integração Racial) para o conselho da metalúrgica Tupy, o banco chegou
a emitir nota de esclarecimento, citando "inclusão" e
"diversidade" como critérios para as nomeações.
"Os profissionais
são selecionados levando-se em consideração as suas experiências profissionais
prévias e os conhecimentos detidos compatíveis com o exercício da função de
maneira que possam contribuir para o melhor desempenho da investida. Outro
fator considerado na escolha dos indicados é a promoção da diversidade na
composição dos colegiados", explica o texto institucional.
Conforme reportagem da
Gazeta do Povo, a indicação de Lupi feriu a própria política interna do banco,
que determina que dirigentes partidários, ainda que licenciados, não podem ser
nomeados para cargos em conselhos. Lupi está licenciado da presidência do PDT.
Para Mayara Gasparoto
Tonin, da Justen, Pereira, Oliveira e Talamini Advogados, os critérios e
requisitos para indicação de conselheiros, apesar da exigência técnica, estão
sempre sujeitos a interpretações. "Os requisitos para nomeação dão margem
a flexibilidade e há argumentos para endossar ou encaixar uma variedade de
formação. Já os argumentos para objeção da indicação são mais claros e
restritivos", explica.
Sidney Ito, professor da
PUC-RS online e consultor da área de governança da KPMG Auditores
Independentes, destaca que a escolha de conselheiros pode atender a interesses
específicos da empresa e dos acionistas. Mas a capacidade técnica do indicado
deve ser avaliada pelo conselho e aprovada em assembleia pelos acionistas.
"É preciso observar
o 'dever de diligência', que exige que o conselheiro atue com responsabilidade
e competência, e que seja cobrado por isso", avalia o consultor.
"Cada vez mais empresas de rating e financiadores privados estão cobrando
avaliações periódicas dos conselheiros de administração como critérios para
classificações, empréstimos e financiamentos", afirma.
Salários dos
conselheiros estão entre os maiores da América Latina
Os salários dos
conselheiros variam, mas a média dos rendimentos no Brasil fica entre US$ 2.033
e US$ 6.097 mensais, algo entre R$ 10 mil e R$ 30 mil. Estão entre os maiores
salários da América Latina – só perdendo para o México, com média de US$ 5 mil.
O dado foi levantado em
2023 pelo PageGroup, especializado em recrutamento e seleção de executivos para
alta direção, em parceria com a rede de Institutos de Governança Corporativa da
América Latina (IGCLA) e apoio da International Finance Corporation (IFC), do
Banco Mundial.
Na Tupy, os rendimentos
de Anielle Franco e Carlos Lupi, são de R$ 36 mil mensais, em média. O salário
que recebem como ministros de Estado é de R$ 41,6 mil.
Colaborou Isabella Mayer
de Moura
FONTE: GAZETADOPOVO.COM.BR
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