Lula defende endividar o país para o PIB crescer. Uma receita que já deu em desastre
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) admitiu
recentemente a disposição de aumentar o déficit público para impulsionar a
economia. "Se for necessário este país fazer endividamento para crescer,
qual o problema? De você fazer uma dívida para produzir ativos produtivos para
este país?”, questionou, numa reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social Sustentável, o "Conselhão", no Palácio do Planalto.
A declaração preocupou quem acompanha a situação
das finanças públicas, mas agradou à ala mais à esquerda do Partido dos
Trabalhadores, liderada pela presidente Gleisi Hoffmann (PT-PR), que tem
pressionado o governo a abandonar a meta fiscal de déficit zero para o ano que
vem, conforme prevê o arcabouço fiscal.
Em recente evento eleitoral do PT, Gleisi defendeu um déficit de até 2% do PIB para não deixar "a economia desaquecer". Na essência, traduziu o pensamento enraizado nos governos petistas de que "déficit gera crescimento" ou de que "gasto é vida".
Economistas ouvidos pela Gazeta do Povo discordam
da premissa. Para José Marcio Camargo, sócio e economista-chefe do Banco
Genial, a afirmação de que déficit necessariamente gera crescimento é errada.
"Não é sustentável manter uma trajetória de aumentos de gastos
públicos", diz.
O coordenador do MBA de Gestão Estratégica e
Econômica de Negócios da FGV, Mauro Rochlin, afirma que o endividamento tem um
custo, que são os juros. "Quanto maior a dívida, maior a taxa que os
compradores de títulos exigem para financiá-la", explica.
Luiza Benamor, da Tendências Consultoria, diz que
gasto exagerado não se traduz em crescimento. "Um déficit elevado não vai
fazer com que a gente tenha um crescimento maior, porque prejudica a visão
externa dos agentes em relação ao ambiente econômico brasileiro."
Hélio Beltrão, do Instituto Mises Brasil, aponta
para as consequências. "O endividamento do governo vai ser pago por quem?
Pela população, por meio dos impostos. Já vimos este filme e o pobre é quem
paga a conta no final", disse Beltrão à CNN Brasil. "O que o
presidente Lula está dizendo é que ele gostaria que o governo se endividasse,
tomasse emprestado da população, violando, como ele mencionou, a Lei de
Responsabilidade Fiscal."
Lula afirmou, no mesmo evento, que alcançar o superávit
primário, conter a inflação e as limitações da Lei de Responsabilidade Fiscal
são “pedras no caminho” para o crescimento do país.
Déficits sucessivos resultam em inflação e aumento
da taxa de juros
Entre os economistas, o consenso é que a pedra no
caminho do crescimento é o déficit fiscal – e não um eventual superávit.
"O roteiro seguro para o crescimento sustentável no longo prazo é um
cenário fiscal equilibrado", afirma Camargo.
Cenário fiscal equilibrado significa dizer que o
governo não pode gastar mais do que arrecada em impostos. Quando o gasto
público supera a receita, ocorre o chamado déficit primário. À medida que vai
acumulando déficits primários, a União precisa emprestar dinheiro para bancar
suas despesas, e começa a pagar juros sobre o montante, aumentando a dívida
bruta do país.
O endividamento elevado impacta a percepção de
risco e os juros futuros, independentemente da atuação do Banco Central. Ao
mesmo tempo, o cenário desencoraja o BC a promover cortes mais fortes na taxa
de juros de curto prazo, a Selic, porque precisa controlar a inflação gerada
pela emissão de moda e aumento da demanda.
Lula e o PT têm criticado, ao longo do ano, a
atuação do Banco Central por resistir a cortes de juros, mas é justamente o
déficit público que obriga o BC a manter as taxas altas para impedir novas
altas inflacionárias.
Cenário fiscal se deteriora no governo Lula
Desde 2014, após o rombo das contas públicas
promovido pelo governo Dilma Roussef (PT), que apostou em aumento de gastos e
levou o país a uma recessão recorde, o governo federal tem registrado
sucessivos déficits primários.
A exceção foi 2022, na gestão de Jair Bolsonaro,
quando o governo conseguiu conter gastos (que subiram de 18,1% do PIB em 2021
para 18,2%, segundo o Tesouro) e se beneficiou de um forte aumento na
arrecadação (a receita líquida passou de 17,7% para 18,7% do PIB).
Em 2023, por outro lado, as contas do governo
deverão fechar com um saldo negativo de R$ 203,4 bilhões, segundo o Banco
Central, o equivalente a 1,9% do PIB. Somando o valor gasto com o pagamento dos
juros da dívida, o chamado déficit nominal deverá ficar alcançar os R$ 800
bilhões ou 7,5% do PIB.
Por consequência, a dívida bruta do governo, que
era de 72,87% do PIB em dezembro de 2022, subiu quase 2 pontos porcentuais em
dez meses e fechou outubro em 74,7% do PIB.
"Temos um problema estrutural de gastos
elevados, com muitas despesas obrigatórias que nem sempre são bem gastas, parte
responsável pelos nossos sucessivos déficits", constata Benamor, da
Tendências.
As projeções de analistas de mercado são de que a
dívida continuará a crescer e superar a marca de 80% do PIB em 2025, fechando a
década acima de 87%, segundo a mediana das expectativas do boletim Focus, do
Banco Central.
Na segunda-feira (18), relatório da Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estimou que a dívida
pública do Brasil pode chegar a 80% do PIB já em 2024, e a 90% em 2047, se as
contas públicas não estiverem em equilíbrio.
Em seu alerta, a entidade relacionou quadro fiscal
e crescimento econômico: “A trajetória da dívida é altamente sensível à
implementação da agenda de reformas. O fracasso na implementação da reforma
fiscal implicaria em um menor crescimento”, diz o texto.
Em resposta, no dia seguinte Lula atacou a OCDE em
uma transmissão nos canais do governo. "Eu quero até aproveitar essa
gravação aqui para dizer ao pessoal da OCDE que, quando chegar no final do ano
que vem, eu vou convidar vocês para tomar um café para provar que vocês erraram
com a previsão que vocês têm do Brasil", afirmou.
Juros altos afetam investimentos e crescimento da
economia real
Ao contrário do que o governo pretende com o
aumento do gasto, a deterioração do cenário fiscal e os juros altos afetam os
investimentos da iniciativa privada.
Assim, o crescimento impulsionado pelo aumento do
déficit público pode acabar não compensando a retração econômica imposta pelas
condições de mercado. "O que faz o Brasil crescer é o setor privado",
destaca Hélio Beltrão. "Não cabe, em ciência econômica, equiparar
endividamento tomado pelo governo com financiamento que gera crescimento no
setor privado."
O investimento estrangeiro aplicado na
"economia real" tem despencado no governo Lula. No acumulado de
janeiro a outubro deste ano, o saldo do chamado Investimento Direto no País
(IDP) foi de US$ 44,9 bilhões, segundo pior resultado em 14 anos – superior
apenas ao de 2020, quando os aportes caíram por conta da pandemia. Segundo o
BC, o valor representa uma queda de 39,8% em comparação com o mesmo período de
2022.
Os números revelam o saldo da entrada e saída de
investimentos voltados para o longo prazo, como ampliação de área de negócios
das empresas, abertura de filiais multinacionais e obras de infraestrutura, que
realmente se traduzem em crescimento.
O investimento produtivo total na economia
brasileira também diminui. Está em queda há quatro trimestres consecutivos,
período no qual acumulou baixa de 1,1%, segundo a medição do IBGE.
Haddad tem sido resistência à gastança total
Lula e o PT têm encontrado um anteparo à gastança
desmedida no Ministro da Economia, Fernando Haddad, que conseguiu manter a meta
fiscal de déficit zero no orçamento enviado ao Congresso, em novembro. Haddad
chegou a contrapor os argumento de Gleisi Hoffmann a favor do abandono da meta,
dizendo que "déficit não gera crescimento". Mas não há garantias que
a sua tese vença.
O mercado aguarda a primeira revisão em março para
saber se o governo vai iniciar o contingenciamento de gastos, perseguindo o ajuste,
ou se vai abandonar de vez a meta, atendendo às demandas do ano eleitoral.
"A gente incorporou no nosso cenário de que
vai haver uma mudança de meta. Mas ainda assim, vemos como positivo a
insistência do ministro Haddad [em manter a meta], ao mesmo tempo, em que
continua se esforçando para finalizar no Congresso a aprovação as medidas de
recomposição de receita", avalia Benamor.
Em sua cruzada para aumentar a arrecadação via
projetos de lei, Haddad projetava aumento de R$ 168 bilhões na receita para
zerar as contas do próximo ano. Na estimativa da Tendências, as medidas de
aumento de impostos aprovadas até agora garantem apenas R$ 42 bilhões. Num
cenário mais pessimista traçado pela consultoria, que incorpora tanto um gasto
maior como um retorno menor das medidas de receitas, o déficit passaria de 1%
do PIB em 2024.
Um problema apontado por especialistas em contas
públicas é que a tentativa de Haddad de equilibrar as finanças se dá só por um
lado: o aumento da arrecadação. Não há iniciativas para um controle mais
consistente do gasto. O próprio arcabouço fiscal desenhado pelo ministro e sua
equipe prevê um aumento mínimo de 0,6% no gasto federal a cada ano.
Teto de contingenciamento divide governo
O próximo embate do ministro diz respeito ao
tamanho do contingenciamento a ser adotado no próximo ano. Para evitar que
bloqueios atinjam o PAC, o que levaria o presidente Lula e abandonar a meta de
zerar o déficit, o ministro Haddad defende diz que o teto para
contingenciamento é de R$ 23 bilhões. Um estudo elaborado pela Consultoria de
Orçamento e Fiscalização Financeira (Conof) da Câmara dos Deputados, por sua
vez, fala em R$ 53 bilhões.
O cenário considerado provável é que o governo seja
obrigado a fazer um contingenciamento maior para dar conta de cumprir a meta
fiscal. Trata-se de uma obrigação: se os resultados do início do ano indicarem
que a meta não será cumprida, o governo terá de frear as despesas justamente
para recolocar as finanças no caminho da meta. Isso tende a ocorrer em março,
na divulgação do boletim de receitas e despesas do primeiro bimestre.
Porém, na visão de boa parte dos observadores das
contas públicas, esse bloqueio inicial de gastos será imediatamente seguido de
uma revisão da própria meta. Em vez de prever resultado primário
"zero", ela passaria a autorizar um déficit. O governo, assim,
poderia gastar mais, revertendo o contingenciamento, de forma a fazer frente
aos fins eleitorais de Lula e do PT – o que será uma derrota para o ministro da
Fazenda.
"O Haddad está com uma regra fiscal que ele
tem que cumprir ou pode ter até problemas legais. E fica vendo o Lula querendo
gastar, gastar. E o mercado torcendo para ele cumprir a regra fiscal. É uma
situação dramática", descreve Beltrão.
Incertezas e deterioração fiscal: caminho da
Argentina?
Os números mais recentes indicam uma forte
desaceleração da economia, e o pequeno avanço que ainda ocorre é muito puxado
pelo consumo. Há limites para a continuidade desse movimento, pois a queda do
investimento produtivo reduz a capacidade da economia de crescer sem gerar
inflação.
O Comitê de Política Monetária (Copom) do BC
alertou exatamente para isso em ata divulgada na terça-feira (19): "A
persistência de uma conjunção de maior resiliência de consumo e queda no
investimento poderia provocar, no médio prazo, um excesso de demanda em relação
à oferta, com potenciais impactos sobre os preços".
Com a Bolsa de Valores em alta e o dólar estável, o
apito de alarme ainda não soou. Mas as luzes amarelas estão acesas.
Analistas lembram que a deterioração vem aos
poucos. Exemplo disso é que a recessão iniciada no fim de 2014, no governo de
Dilma Rousseff, foi gestada desde 2009, com políticas fiscais insustentáveis.
"Em algum momento, nós vamos precisar fazer um
ajuste equivalente a 2% ou 2,5% do PIB para estabilizar o crescimento da
dívida”, disse o economista Luiz Fernando Figueiredo, presidente do conselho de
administração da Jive Investiments e ex-diretor de Política Monetária do Banco
Central, ao "Estadão".
Por enquanto, nada disso parece estar no radar do
governo. "A receita do presidente Lula é gastar, gastar, gastar, e isso,
em geral, é o que causa os problemas de qualquer pais, como a gente vê agora na
Argentina", afirma Beltrão.
O país vizinho enfrenta uma inflação de cerca de
180% ao ano, pobreza de mais de 40% e reservas líquidas negativas nas contas do
Banco Central, em meio à estagflação herdada do peronismo.
O ministro da Economia da Argentina, Luis Caputo,
nomeado pelo presidente Javier Milei, citou o fracasso da receita do
endividamento em entrevista coletiva após assumir o cargo. “A origem do nosso
problema sempre foi o déficit fiscal. Temos sido viciados no déficit e por isso
sempre caímos em crises recorrentes”, disse. O ministro anunciou medidas
fiscais, cambiais e monetárias para iniciar o ajuste.
Embora ainda estejamos distantes de um cenário como
o da Argentina, a crise dos hermanos poderia ser um balizador para o governo
brasileiro. "No caso do Brasil, como a relação divida/PIB já é muito alta,
o mais responsável é criar as condições para que você gere um superávit
primário. Continuar nessa trajetória de aumento do déficit público vai impactar
os juros e a atividade, o que tende a reduzir o PIB, como aconteceu no governo
Dilma", afirma o economista-chefe da Genial.
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