Governo Lula pode usar morte de Cleriston para apoiar tese do desencarceramento em massa de presos

 

A morte de um preso do 8 de janeiro tende a ser usada de forma indevida pelo governo Lula para dar continuidade à sua defesa do desencarceramento como política pública para melhorar as condições das penitenciárias. O problema da superpopulação carcerária é real, precisa ser enfrentado, mas a solução de liberar criminosos não é a única nem a melhor. Mas ela pode avançar, principalmente porque o Supremo Tribunal Federal (STF) também a encampou, em recente decisão em uma ação do PSOL. Para completar, o tema foi pauta dos encontros entre a “dama do tráfico” com autoridades do ministério da Justiça.

O próprio ministro Silvio Almeida, dos Direitos Humanos, ao falar da morte de Cleriston Pereira da Cunha, relacionou o fato com os projetos da pasta que buscam melhorias para a população carcerária. “A morte do senhor Cleriston é o resultado das várias mazelas que o próprio Supremo Tribunal Federal já reconheceu sendo um estado de coisas inconstitucional”, afirmou Silvio Almeida. A declaração foi feita durante uma entrevista à Rádio Itatiaia, na última terça-feira (28).

O que o ministro não mencionou é a excepcionalidade do caso de Cleriston, com abusos que extrapolam os problemas de outros detentos: ele estava preso preventivamente há mais de 10 meses, por ordem do STF mesmo não tendo foro privilegiado, sem antecedentes criminais, apresentando diversas comorbidades e sem provas de vandalismo ou de participar de organização criminosa.

Ao decidir favoravelmente pela petição do PSOL, o STF, que manteve Cleriston preso, entendeu que o sistema carcerário possui um “estado de coisas inconstitucionais”. O termo significa que há violação de diversos direitos dos presos, como direito à dignidade da pessoa, à saúde e à justiça, atestando uma situação notória no país. A partir disso, no entanto, a Corte fez uma série de exigências questionáveis aos entes federativos. Especialistas veem nessas imposições do STF, entre outros problemas, uma violação do princípio da reserva do possível, quando o Judiciário exige a execução de medidas inviáveis ao poder público - como se problemas complexos pudessem ser resolvidos por uma decisão burocrática.

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“A estratégia da esquerda em geral é a seguinte: eles não permitem a construção de novos presídios, e reclamam do problema de superlotação carcerária, que é um problema real. Mas eles não querem como solução para esse problema a construção de novas vagas. Eles querem a soltura dos criminosos”, explica Marcelo Monteiro, procurador de Justiça do Ministério Público do Rio de Janeiro.

As medidas exigidas pelo PSOL e acatadas pelo Supremo incluem, entre outras ações, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) faça um novo mutirão para liberar criminosos e que juízes justifiquem explicitamente o motivo de não oferecer aos criminosos penas alternativas. Apenas em 2023, o CNJ já soltou 21 mil presos. Além disso, impõem que o governo federal e os governos estaduais apresentem um plano de trabalho para garantir melhorias no sistema carcerário.

Inclusive, foi a elaboração do plano nacional que levou a “dama do tráfico” a reuniões com autoridades do ministério da Justiça do governo Lula. Luciane Barbosa Farias, esposa do líder da facção do Comando Vermelho no Amazonas, afirmou que queria contribuir com o plano nacional que está sendo elaborado pela equipe de Flávio Dino. Os custos com passagens e diárias de Luciane foram pagos pelo ministério dos Direitos Humanos, pasta comandada por Silvio Almeida.


Esquerda defende linha do “abolicionismo penal”

“O Brasil não prende demais, o Brasil prende de menos”, afirma Monteiro. Segundo ele, o número de prisões efetivas ainda é pequeno quando comparado com a quantidade de crimes cometidos no país. “O Brasil não prende nem 10% dos assassinos e 5% dos assaltantes. Somos um dos países com maiores índices de criminalidade”, afirma.

Desde os primeiros meses do governo Lula, ministros, secretários e o próprio presidente Lula têm se manifestado favoráveis a liberação de criminosos como solução para os problemas nos presídios. “Se a gente for pensar nas demandas da sociedade, solucionar os problemas do sistema carcerário não é uma questão prioritária. Mas a solução não é soltar todo mundo”, afirma o advogado penalista, João Rezende.

Ele explica que o “abolicionismo penal” é defendido por parte da esquerda dentro das discussões acadêmicas do direito. Para os defensores desta linha “se a cadeia é um instrumento de controle e manipulação, a solução é acabar com o sistema penal”, esclarece.

Para Rezende, o jogo político influencia na criação do ordenamento jurídico e até nas decisões dos magistrados. A Gazeta do Povo já mostrou diversas decisões da Justiça pela soltura de traficantes de facções criminosas. Ao mesmo tempo, participantes dos atos do 8 de janeiro, como Cleriston, estão presos preventivamente há meses, apesar de manifestações da PGR a favor da liberdade deles.

“O sistema penal seleciona condutas que são tidas por criminosos por quem está no poder. Qualquer crime que está tipificado no ordenamento jurídico é político porque houve uma decisão política por trás para definir que a conduta é criminosa, merece repressão e determinada pena. Quem está no poder é quem define”, explica Rezende.

“O resultado disso é que pessoas que participaram dos atos do 8 de janeiro, sem provas individualizadas que cometeram crime, recebem penas maiores que um criminoso por estupro de uma criança receberia”, ilustra Rezende.

Para especialista, penalizar crimes menos graves evita reincidência

O projeto de lei 4540/2021 segue a linha do abolicionismo penal. O texto, que tramita na Câmara dos Deputados, é de autoria da deputada Talíria Petrone (PSOL-RJ) e defende que furtos insignificantes não devem ser considerados crime, ainda que reincidente

Marcelo Monteiro relembrou que na Califórnia, nos Estados Unidos, uma lei semelhante foi aprovada. O número de furtos no estado aumentou consideravelmente após a alteração da legislação. “Tem cenas de sujeitos que entram em lojas com uma máquina de calcular e vai somando o valor dos produtos que ele está furtando para garantir que está abaixo do limite que poderia ser processado”, conta.

“O criminoso nunca começa como chefe de facção do tráfico, como integrante de uma grande quadrilha de assalto a banco. Ele começa com o pequeno crime. Quando o primeiro crime não é reprimido, ele escala para um crime maior”, explica Monteiro.

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