Agência ligada a Choquei recebeu R$1 milhão do governo


 

A agência teria recebido R$ 1 milhão em contratos do governo entre 2014 e 2023

Depois do trágico caso da jovem estudante Jéssica Vitória Canedo, que tirou a própria vida após difamação nas redes sociais, divulgadas pelo site Choquei, suspeitas de que a agência Mynd8 que administra a página, teria recebido, segundo o portal de transparência do governo, R$ 1 milhão em contratos do governo Lula entre 2014 e 2023. 

A quantia foi destinada à prestação de serviços para as gestões de Michel Temer, Dilma Rousseff, Jair Bolsonaro e, mais recentemente, Luiz Inácio Lula da Silva. Durante os anos de 2014 a 2018, sob as administrações de Dilma e Temer, a Mynd8 obteve R$ 1.056.200. 

No governo Bolsonaro, a Mynd8 realizou serviços para a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) e ministérios, com um montante de R$ 49,6 mil, indicando uma queda expressiva nos contratos. 

Em contraste, no primeiro ano do mandato de Lula, a agência registrou apenas um contrato, totalizando R$ 2,8 mil. A Mynd8 foi responsável pela administração do Choquei até dezembro de 2021, quando o site publicou uma nota take afirmando que a estudante Jéssica teria um affair com o humorista Whindersson Nunes, o que foi desmentido pela própria vítima. O site não quis tirar a notícia do ar, o que possivelmente ocasionou a morte dela, que foi atacada por haters.

Empresa obteve quantias mais expressivas durante as gestões Temer (R$ 577,5 mil) e Dilma (R$ 478,7 mil)

A Mynd8, agência especializada em entretenimento e propaganda, recebeu mais de R$ 1 milhão em contratos com o governo brasileiro entre 2014 e 2023. Durante esse período, a empresa prestou serviços especialmente para as gestões de Michel Temer (R$ 577, 5 mil) e Dilma Rousseff (R$ 478, 7 mil). A administração de Jair Bolsonaro desembolsou R$ 49,6 mil para a mesma finalidade, cerca de dez vezes menos que os antecessores, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva destinou R$ 2,8 mil neste primeiro ano de mandato.

O nome da agência veio à superfície depois da tragédia que envolve o Choquei, que foi gerenciado pela Mynd8 até dezembro de 2021, e a estudante Jéssica Vitória Canedo, de 22 anos, que cometeu suicídio após ser alvo de difamação do perfil de fofoca.

As páginas do Choquei, com mais de 30 milhões de seguidores nas redes sociais, disseminaram imagens falsas de uma suposta troca de mensagens amorosas entre a estudante e o humorista Whindersson Nunes. Ambos os personagens dessa história negaram ter relação.


A relação da Mynd8 com o governo brasileiro

De acordo com o Portal da Transparência, a Mynd8 obteve R$ 1,1 milhão ao prestar serviços para o governo brasileiro nos últimos nove anos. Para tanto, a empresa desenvolveu peças publicitárias e impulsionou campanhas para a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) e para os ministérios.

A agência teve sinal verde no governo federal de 2014 a 2018, enquanto Dilma e Temer estiveram no Planalto. Na gestão Bolsonaro, contudo, prestou serviços apenas em duas ocasiões: fevereiro e março de 2020. Antes e depois desse período, não houve negócio.

Neste primeiro ano de mandato, Lula solicitou os serviços da Mynd8 apenas uma vez, em julho.


Os detalhes do contrato

A seguir, as principais informações do acordo entre a Mynd8 e o governo brasileiro, com datas, valores e pastas descritos.

Dilma Rousseff

(2014)

        16/12: R$ 3,8 mil (Secom)

        09/10: R$ 2,9 mil (Secom)

        20/08: R$ 3 mil (Ministério da Educação)

        15/08: R$ 6 mil (Ministério da Educação)

        16/07: R$ 51,5 mil (Ministério da Justiça e Segurança Pública)

        03/07: R$ 8 mil (Ministério da Saúde)

        18/06: R$ 984 (Secom)

        05/06: R$ 2,6 mil (Ministério da Educação)

        04/06: R$ 11,3 mil (Ministério da Saúde)

        26/05: R$ 10 mil (Secom)

        20/05: R$ 4 mil (Ministério da Educação)

        04/04: R$ 756 (Ministério das Cidades)

        31/03: R$ 3,7 mil (Ministério da Saúde)

        17/03: R$ 1 mil (Ministério do Turismo)

        04/02: R$ 2,3 mil (Ministério da Saúde)

        03/02: R$ 3,3 mil (Ministério das Cidades)

        27/01: R$ 2,7 mil (Ministério do Turismo)

        Total: R$ 118,5 mil

(2015)

        29/12: R$ 4,6 mil (Ministério da Educação)

        28/12: R$ 4,6 mil (Ministério da Educação)

        15/12: R$ 5,8 mil (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação)

        09/12: R$ 7,5 mil (Ministério da Saúde)

        09/12: R$ 4,4 mil (Ministério da Saúde)

        09/11: R$ 2,6 mil (Ministério da Educação)

        17/08: R$ 4,1 mil (Ministério da Educação)

        09/07: R$ 6,8 mil (Ministério da Saúde)

        09/06: R$ 2,2 mil (Ministério da Educação)

        19/05: R$ 6,2 mil (Ministério da Saúde)

        09/04: R$ 5,3 mil (Ministério da Saúde)

        08/04: R$ 7,6 mil (Ministério da Saúde)

        31/03: R$ 37,1 mil (Ministério da Justiça e Segurança Pública)

        18/03: R$ 2,2 mil (Ministério da Educação)

        18/03: R$ 2,2 mil (Ministério da Educação)

        03/03: R$ 25,7 mil (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação)

        29/01: R$ 20,1 mil (Ministério da Saúde)

        26/01: R$ 18,9 mil (Ministério da Educação)

        Total: R$ 168,8 mil

(2016)

        31/08: R$ 3 mil (Secom)

        31/08: R$ 22,7 mil (Secom)

        26/07: R$ 6 mil (Ministério da Saúde)

        26/07: R$ 32,6 mil (Ministério da Saúde)

        28/06: R$ 1,6 mil (Ministério do Trabalho e Emprego)

        15/06: R$ 6,5 mil (Ministério da Saúde)

        10/06: R$ 2,7 mil (Ministério da Justiça e Segurança Pública)

        10/05: R$ 22,1 mil (Secom)

        03/05: R$ 7,5 mil (Ministério da Saúde)

        28/04: R$ 3,6 mil (Secom)

        07/04: R$ 3,8 mil (Secom)

        04/04: R$ 54,7 mil (Ministério da Saúde)

        04/04: R$ 17,4 mil (Ministério da Justiça e Segurança Pública)

        12/02: R$ 6,7 mil (Secom)

        Total: R$ 191,4 mil


Michel Temer (2016)

        30/12: R$ 2,1 mil (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome)

        05/12: R$ 1,8 mil (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome)

        17/11: R$ 2,4 mil (Ministério dos Transportes)

        04/11: R$ 9,2 mil (Secom)

        Total: R$ 15,6 mil


(2017)

        14/12: R$ 6,3 mil(Ministério do Esporte)

        07/12: R$ 6,3 mil(Ministério do Esporte)

        01/12: R$ 4,4 mil (Ministério da Cultura)

        28/11: R$ 4,6 mil (Ministério da Saúde)

        27/11: R$ 4,6 mil (Ministério da Saúde)

        27/11: R$ 10,8 mil (Ministério da Saúde)

        27/11: R$ -4,6 mil (Ministério da Saúde)

        24/11: R$ 2,1 mil (Ministério da Saúde)

        21/11: R$ 2,9 mil (Ministério da Saúde)

        26/10: R$ 7,4 mil (Ministério da Saúde)

        25/10: R$ 3,3 mil(Ministério da Saúde)

        24/10: R$ 8,5 mil (Ministério da Saúde)

        09/10: R$ 3,7 mil (Ministério da Saúde)

        05/10: R$ 5,4 mil (Ministério da Saúde)

        04/10: R$ 671 (Ministério da Saúde)

        04/10: R$ 6,7 mil (Secom)

        22/09: R$ 3,1 mil (Ministério da Saúde)

        05/09: R$ 18,9 mil (Ministério da Saúde)

        04/09: R$ 7,6 mil (Ministério dos Transportes)

        30/08: R$ 6,7 mil (Ministério da Saúde)

        28/08: R$ 8,5 mil (Ministério da Saúde)

        24/08: R$ 13,1 mil (Ministério da Saúde)

        24/08: R$ 3,6 mil (Ministério da Saúde)

        18/08: R$ 1 mil (Ministério da Saúde)

        02/08: R$ 4,9 mil (Ministério dos Transportes)

        03/07: R$ 5,7 mil (Ministério do Esporte)

        27/06: R$ 6,7 mil (Ministério da Saúde)

        19/06: R$ 2,8 mil (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional)

        19/06: R$ 4,5 mil (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional)

        06/06: R$ 5,7 mil (Ministério do Esporte)

        25/05: R$ 1,7 mil (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional)

        05/05: R$ 2,9 mil (Ministério da Saúde)

        27/04: R$ 3,5 mil (Ministério da Saúde)

        20/04: R$ 5,5 mil (Ministério do Turismo)

        19/04: R$ 3,3 mil (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional)

        12/04: R$ 1,7 mil (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional)

        12/04: R$ -1,7 mil (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional)

        12/04: R$ 3,3 mil (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional)

        12/04: R$ -3,3 mil (Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional)

        03/04: R$ 6,2 mil (Secom)

        16/03: R$ 6 mil (Ministério da Saúde)

        10/03: R$ 3,8 mil (Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome)

        Total: R$ 199,3 mil


(2018)

        28/11: R$ 99,6 mil (Ministério do Turismo)

        24/10: R$ 28,6 mil (Ministério da Saúde)

        02/10: R$ 7,2 mil (Secom)

        11/07: R$ 74,7 mil (Ministério do Turismo)

        22/06: R$ 74,7 mil (Ministério do Turismo)

        04/06: R$ 17,9 mil (Ministério da Saúde)

        10/05: R$ 2,3 mil (Ministério da Saúde)

        17/04: R$ 9 (Ministério do Esporte)

        03/04: R$ 4,5 mil (Ministério do Esporte)

        28/03: R$ 5,4 mil (Ministério do Esporte)

        27/03: R$ 4,7 mil (Ministério do Esporte)

        08/03: R$ 10,6 mil (Ministério do Turismo)

        08/03: R$ 1,7 mil (Ministério do Turismo)

        05/03: R$ 8,7 mil (Ministério da Saúde)

        01/03: R$ 4,8 mil (Ministério do Esporte)

        27/02: R$ 5,3 mil (Ministério do Turismo)

        22/01: R$ 6,1 mil (Secom)

        17/01: R$ 4,9 mil (Ministério da Saúde)

        Total: R$ 362 mil


Jair Bolsonaro (2020)

        10/03: R$ 35,9 mil (Ministério da Saúde)

        10/02: R$ 13,7 mil (Ministério da Saúde)

        Total: R$ 49,6 mil


Lula (2023)

        4/7: R$ 2,8 mil (Ministério da Saúde)

        Total: R$ 2,8 mil

Entenda como funciona o mercado que alimenta o Choquei e outros perfis de fofoca

        Em publicação no Twitter/X, o fundador do Spotniks, Rodrigo da Silva, explica a relação entre a morte de Jéssica e a indústria multimilionária de influenciadores digitais do Brasil.

        Essa mulher aqui se chama Fátima Pissarra. Fátima é a CEO da Mynd, a maior agência de marketing de influência do país – que Fátima construiu ao lado da cantora Preta Gil e do publicitário Carlos Scappini. Não é possível entender a internet brasileira sem conhecer a Mynd.

        A Mynd agencia mais de 400 influenciadores. Estão em seu catálogo nomes como Luísa Sonza, Pabllo Vittar, Cleo, Bela Gil, Pequena Lo, Deolane Bezerra, Esse Menino, Bruna Louise, Lexa, Yuri Marçal e Gil do Vigor, entre outros.

        Juntos, o elenco de influenciadores da Mynd conta com mais de 1 bilhão de seguidores — ou seja: é uma mina de ouro. Os clientes da Mynd incluem os maiores anunciantes do país, marcas de peso como Magazine Luiza, Americanas, Ambev, TV Globo, Amazon e C&A.

        A Mynd faturou mais de R$ 500 milhões em 2022. E a previsão é chegar a R$ 1,5 bi em 2025. Essa é a empresa mais relevante da história do marketing digital brasileiro.

        E publicidade é só uma linha de receita: a Mynd também faz dinheiro através de um braço do grupo chamado House of Brands, focado em promover produtos (como perfumes, cremes hidratantes e maquiagens).

        Além das celebridades, a Mynd também promove páginas de fofoca, como: Fuxiquei, Fofoquei, Gina Indelicada, Diferentona, Otariano e Alfinetei. Elas fazem parte da Banca Digital, projeto da Mynd que reúne mais de 30 perfis de fofoca e centenas de milhões de seguidores.

        Entre os agenciados pela Mynd está a página “Garoto do Blog”. Há poucos dias, este perfil publicou um print falso com um diálogo de Whindersson Nunes com uma jovem chamada Jessica Vitória Canedo. Jessica tinha depressão e se suicidou após o episódio.

        O Choquei — que ajudou a impulsar o conteúdo falso – já foi agenciada pela Mynd, mas não aparece mais em seu catálogo. A Mynd está umbilicalmente ligada ao sucesso desses perfis.

        O pulo do gato da Mynd é a distribuição do conteúdo produzido por seus influenciadores em forma de pirâmide. O sucesso do casting permite que a agência promova as mesmas campanhas em diferentes lugares; um processo que retroalimenta a sua relevância, capaz de viralizar marcas, assuntos e influenciadores. Quando os agenciados da Mynd publicam a mesma ação ao mesmo tempo, passam a impressão de que toda a internet está falando sobre a mesma coisa. Os seguidores entram com o engajamento; o restante fica com o algoritmo que, inundado de postagens sobre o mesmo assunto, dissemina ainda mais postagens sobre o conteúdo para fora da bolha. Ou seja: é viral, mas artificial.

        Por exemplo: a edição de 2021 da Farofa da Gkay reuniu influenciadores que, juntos, somavam mais de 334 milhões de seguidores. Boa parte deles eram da Mynd, como a própria Gkay. Esse batalhão de perfis foi capaz de impactar mais de 66 milhões de pessoas com posts sobre a festa.

        A edição de 2022 da Farofa — em um resort 5 estrelas, em Fortaleza – foi transmitida pelo Multishow. O custo do evento passou dos R$ 8 milhões, pagos por anunciantes de peso como Avon, Listerine, XP, Latam e Vivara.

        Com a máquina da maior agência de marketing de influência do país à disposição, o barulho é inevitável. No total, a cobertura de Multishow, Gshow e Globoplay resultou em 1,7 mil posts sobre a Farofa, que trouxeram mais de 400 milhões de visualizações para as marcas envolvidas. Por outro lado, os perfis de fofoca da Banca Digital tiveram mais de 300 milhões de impressões na cobertura da Farofa, impulsionando e retroalimentando a importância do evento.

        O mesmo processo acontece em festivais de música. Na última edição do Rock in Rio foram conectados pelo menos 100 agenciados da Mynd, de diferentes nichos e perfis, a 19 grandes marcas – da Coca-Cola ao Itaú. Onze músicos da agência se apresentaram no festival.

        É um círculo de impulsionamento. Em 2021, a Globo contratou o perfil Gina Indelicada, da Banca Digital, pra falar bem da novela Um Lugar ao Sol. Dias depois, o criador do perfil recebeu uma matéria elogiosa do Fantástico.

        A Mynd usa seus perfis de fofoca para impulsionar seus agenciados. O problema é que eles também são acusados de receber dinheiro para prejudicar personalidades públicas. Ou seja, em tese, são pagos para promover uma espiral de cancelamento.

        A Mynd nega que haja coordenação entre as páginas. Mas há controvérsias. Em 2021, a Aos Fatos analisou os posts de 24 perfis agenciados pela Mynd, no intervalo de uma semana, e constatou que quase a metade desse conteúdo apareceu em mais de um perfil.

        Entre os assuntos abordados pelo casting da Mynd, claro, estão tópicos políticos. E o impacto não é pequeno. Na última eleição, a cada três posts publicados sobre os presidenciáveis, um foi produzido por perfis ligados ao entretenimento.


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