Zanin vota contra marco temporal em julgamento no STF
Ministro afirmou que a tese ignora o direito das
populações indígenas; julgamento está em 3 a 2
O ministro Cristiano Zanin, do STF (Supremo
Tribunal Federal), votou contra a tese do marco temporal em julgamento na Corte
nesta 5ª feira (31.ago.2023). A tese discutida diz que populações indígenas só
podem reivindicar terras que ocupavam na data da promulgação da Constituição
Federal, em 5 de outubro de 1988.
Zanin acompanhou o entendimento do relator da ação, ministro Edson Fachin. Segundo o magistrado, a texto ignora os direitos de populações indígenas e os conflitos por terras ocorridos na história do país.
O magistrado afirmou que a Constituição Federal
dispõe que a garantia de permanência de povos indígenas nas terras
tradicionalmente ocupadas é indispensável para a concretização dos direitos
fundamentais básicos.
“Como se vê, o sistema constitucional reconhece e
protege, de forma exaustiva, as terras, as tradições e os hábitos dos
indígenas, de modo a preservar a cultura dos nativos do País. Logo, ao
reconhecer direitos originários sobre as terras, a Constituição de 1988
confirmou a teoria do indigenato, na qual a relação estabelecida entre a terra
e o indígena é congênita e, por conseguinte, originária”, diz trecho do voto do
ministro. Eis a íntegra (344 kB).
Zanin acompanhou parcialmente o voto do relator,
ministro Edson Fachin. Ele também concordou com a indenização das benfeitorias
decorrentes das ocupações de terras indígenas feitas de boa-fé. No entanto,
Zanin foi além de defendeu a indenização do valor da terra nua em casos de
titulação indevida concedida entre poder público ao particular.
O magistrado defendeu ainda que a indenização
deverá ser feita por meio de procedimento judicial ou extrajudicial, no qual
serão verificadas a boa-fé do particular e a responsabilidade civil do ente
público.
O voto do ministro desempatou o julgamento que
trata sobre a tese. Eis o resultado parcial:
• 3 votos contrários ao marco temporal: Edson
Fachin (relator), Alexandre de Moraes e Cristiano Zanin;
• 2 a favor: Nunes Marques e André Mendonça.
ASSISTA:
VOTO ERA INCERTO
O ministro enfrentava críticas do PT (Partido dos
Trabalhadores) em relação aos seus últimos votos e estava sob pressão neste
julgamento. No início desta semana, Zanin recebeu a ministra dos Povos
Indígenas, Sonia Guajajara, para falar sobre a análise.
Nos últimos dias, o ministro decepcionou apoiadores
do governo Lula por votar contra a descriminalização do porte de drogas para
uso pessoal e por defender a rejeição de uma ação sobre violência policial
contra indígenas no Mato Grosso do Sul.
Na 4ª feira (30.ago.2023), o Diretório Nacional do
PT divulgou uma resolução em que manifesta posição contrária a votos dados por
Zanin em julgamentos recentes do STF. O texto, porém, não faz referência direta
ao ministro. Eis a íntegra da resolução (101 KB).
VOTOS
O ministro Edson Fachin, relator do recurso, votou
contra a aplicação da tese do marco temporal. Fachin rejeitou o argumento de
que o STF teria criado o precedente de efeito vinculante em 2009. Para o
magistrado, a conclusão do Supremo ao julgar a disputa em Roraima valeu só ao
caso concreto analisado, não a todas as disputas por terras envolvendo
populações indígenas.
“Dizer que Raposa Serra do Sol é um precedente para
toda a questão indígena é inviabilizar as demais etnias indígenas. É dizer que
a solução dada para os Macuxi é a mesma dada para Guaranis. Para os Xokleng,
seria a mesma para os Pataxó. Só faz essa ordem de compreensão, com todo o
respeito, quem chama todos de ‘índios’, esquecendo das mais de 270 línguas que
formam a cultura brasileira. E somente quem parifica os diferentes e as
distintas etnias pode dizer que a solução tem que ser a mesma sempre. Quem não
vê a diferença não promove a igualdade”, prosseguiu. Eis a íntegra do voto do
relator (606 KB).
O ministro também destacou que os direitos conferidos
às comunidades indígenas são reconhecidos como fundamentais pela Constituição,
em especial no que diz respeito à posse permanente das terras de ocupação
tradicional.
Por fim, disse que os direitos originários sobre as
terras tradicionalmente ocupadas independem “da existência de um marco temporal
em 5 de outubro de 1988 e da configuração do renitente esbulho com conflito
físico ou controvérsia judicial persistente à data da promulgação da
Constituição”.
O entendimento foi acompanhado por Alexandre de Moraes
em 7 de junho de 2023. No entanto, o ministro defendeu uma mediação entre
indígenas e produtores rurais. O ministro propõe que, para os proprietários não
fiquem prejudicados, a União deve ser responsabilizada e pagar indenização
sobre o valor total dos imóveis, e não apenas sobre as benfeitorias. Eis a
íntegra do voto de Moraes (319 kB).
O ministro Nunes Marques discordou de Fachin e
defendeu a aplicação da tese. O ministro afirmou que a decisão da Corte em 2009
é a melhor solução para conciliar os interesses de ruralistas e indígenas. Além
disso, disse que o parâmetro já é utilizado em diversos casos e a revisão
resultaria em uma insegurança jurídica e aumento dos conflitos fundiários.
A discordância do relator também foi acatada pelo
ministro André Mendonça. O ministro afirmou que a tese pode ser uma “solução”
que equilibra interesses de indígenas e de produtores rurais.
Segundo Mendonça, a ausência de um marco temporal
poderia criar insegurança jurídica, além de uma “problemática na situação atual
no campo de uma viragem jurisprudencial”.
“O que pretendo frisar é que se a adoção da teoria
do indigenato já guardaria suficiente grau de problematização com a insegurança
jurídica acaso tivesse sido agasalhada no âmbito da Pet 33884 [caso Raposa
Serra do Sol], a sua sibilação no atual momento depois de se ter solucionado o
tema em bases objetivas com vistas exatamente a solução das relações
conflituosas mostra-se, na minha perspectiva, ainda mais prejudicial à
sociedade”, afirmou o magistrado.
O magistrado também propõe a negociação para evitar
o translado de indígena das terras.
“Eu entendo que à luz dessa possibilidade de uma
solução alternativa, há sim como se construir isso em relação àquelas áreas que
não preenchem o marco temporal e o conceito de esbulho e renitente esbulho”,
declarou. Eis a íntegra do voto de Mendonça no julgamento do marco temporal (4
mB).
Nenhum comentário